Lidando com o vício em apostas para proteger a saúde mental

Vício

Apostar pode parecer uma fonte de emoção, um passatempo inofensivo ou até uma forma de esperança rápida de ganhos. Mas para muitos brasileiros, esse hábito ultrapassa os limites da diversão e se transforma em algo que compromete profundamente a saúde mental, emocional, financeira. Até mesmo os laços familiares. É o que mostra o relato de Antônio*, de 22 anos, que diz ter perdido cerca de R$ 53 mil com apostas online, e hoje depende da supervisão do pai para controlar seu dinheiro.

O que conduz ao vício

O vício em apostas digitais, as chamadas bets, tornou-se cada vez mais comum no Brasil. A pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por exemplo, indica milhões de brasileiros que praticam apostas de forma arriscada ou problemática. Entre esses, há quem apresente um transtorno do jogo (ou jogo patológico), condição em que o indivíduo continua apostando mesmo ao observar perdas contínuas ou prejuízos graves.

No caso de Antônio, a progressão desse padrão ficou clara: ele percebeu o problema financeiro, mas não conseguia parar. Usava cartões de crédito, recorria a empréstimos, até que decidiu tomar atitudes drásticas de controle.

Estratégias de controle que salvaram parte da vida dele

Para sair do ciclo compulsivo, Antônio adotou várias medidas que ajudaram a limitar o dano e a resgatar algum controle sobre sua vida:

  1. Supervisão financeira externa
    O pai passou a administrar a maior parte de seu dinheiro, autorizando apenas pequenas quantias para despesas diárias. Essa estratégia de controle externo é útil para quem, em momentos de crise, perde a noção da dimensão do prejuízo.
  2. Bloqueio de acesso a crédito e empréstimos
    Ele bloqueou todos os cartões de crédito, impediu que instituições financeiras facilitassem empréstimos para apostar. Reduzir canais de acesso ao dinheiro disponível foi essencial para evitar recaídas.
  3. Busca de ajuda profissional
    Antônio recorreu a psicólogos e psiquiatras. Ele passou a tomar medicações para impulsividade e controle de humor, sob avaliação médica. Terapias regulares foram parte do tratamento, assim como ouvir relatos de outras pessoas que enfrentam o mesmo problema.
  4. Redução de estímulos
    Afastar-se de plataformas de apostas, evitar estímulos tentadores, buscar suporte familiar e social — tudo isso ajuda a enfraquecer os gatilhos do vício. No relato dele, deixar de ter acesso irrestrito ao crédito, usar bloqueios de aplicativos, diminuir exposição ao ambiente on-line de apostas foram passos importantes.

O impacto na saúde mental

O jogo compulsivo não afeta só o bolso. As consequências psicológicas são vastas:

  • Ansiedade, culpa, vergonha: quem aposta e perde repetidamente acaba sofrendo com pensamentos negativos persistentes, remorso, sensação de impotência.
  • Distúrbios de humor: meses de tensão financeira, incerteza sobre o futuro, frustrações sucessivas geram sintomas de depressão ou irritabilidade exacerbada.
  • Comprometimento de relacionamentos: o vício frequentemente leva ao isolamento, brigas na família, desconfiança entre amigos ou parceiros.
  • Risco de suicídio: em casos graves, a combinação de desesperança financeira, social e emocional pode levar pessoas a pensar em tirar a própria vida. O relato de Antônio inclui momentos em que sentiu que “não havia solução”.

As estatísticas por trás do problema

Para dimensionar o alcance desse mal:

  • A Unifesp estima que 10,9 milhões de brasileiros façam uso arriscado de apostas, ou seja, comportamentos que potencializam perdas ou dependência.
  • Desses, cerca de 1,4 milhão apresentam quadro compatível com transtorno do jogo.
  • As apostas online permitem que plataformas criem mecanismos muito estimulantes: apostas em tempo real (in-play), múltiplas opções durante jogo, recompensas de “consolação”, etc. Isso acelera o ciclo de dopamina e reforço, tornando difícil parar.

O que especialistas recomendam

Para quem está no começo do problema, ou para quem já está em sofrimento, há medidas concretas que ajudam bastante:

  • Procurar suporte psicológico ou psiquiátrico, para avaliar a situação, identificar diagnóstico, trabalhar comportamentos e emoções envolvidos.
  • Participar de grupos de apoio, onde se compartilham experiências com outras pessoas que vivenciam o vício. Isso ajuda a reduzir o sentimento de isolamento.
  • Usar ferramentas de bloqueio digital: aplicativos, software, autoexclusão em sites de apostas, restrições que dificultem o acesso fácil.
  • Contar com apoio familiar ou de alguém de confiança para supervisão financeira ou estabelecimento de limites práticos pro dia-a-dia.
  • Políticas públicas mais robustas: regulamentação mais clara, proibição de propaganda agressiva ou de mecanismos de jogo altamente aditivos, serviço de suporte público para quem sofre com apostas.

Reflexão final: autocuidado como socorro

Vício em apostas não é fraqueza de caráter, é uma condição séria que envolve impulsos, recompensas no cérebro, hábitos reforçados por estímulos externos e vulnerabilidades pessoais. Para manter a saúde mental, é essencial reconhecer os próprios limites, buscar ajuda, aceitar super visionamento quando necessário, e criar um ambiente de autocuidado.

Se você ou alguém que conhece está lutando contra esse problema, lembre:

  • Você não está sozinho.
  • Buscar ajuda é sinal de coragem.
  • Pequenos passos como bloquear cartão, conversar com um terapeuta, limitar acesso ao dinheiro podem parecer simples, mas fazem diferença.
  • A recuperação pode demandar tempo, mas é possível reconstruir confiança, estabilidade e paz mental.

Antônio é um pseudônimo para preservar identidade. Se você sentir-se em situação semelhante, procurar profissionais de saúde mental é essencial.