No coração de Niterói (RJ), uma apresentação chamou atenção recentemente: mulheres suspensas por tecidos coloridos dançavam no ar, em um espetáculo tão poético quanto poderoso. O evento, intitulado “Alone we are petals, together we are roses” (“Sozinhas somos pétalas, juntas somos rosas”), reuniu mulheres vítimas de violência de gênero em uma performance de circo aéreo. Mais do que uma exibição artística, o projeto é uma iniciativa de cura coletiva e fortalecimento da saúde mental.
A proposta do grupo é simples, mas profundamente simbólica: transformar o trauma em arte e o medo em movimento. As artistas, que enfrentaram experiências dolorosas de abuso físico e psicológico, encontraram nos tecidos e nos gestos a possibilidade de expressar emoções reprimidas, reconstruir o amor-próprio e, principalmente, sentir-se seguras novamente em seus corpos.
Quando a arte se torna terapia
A relação entre arte e saúde mental é antiga e comprovada por diversos estudos. Expressar sentimentos por meio da pintura, dança, música ou teatro é uma forma de liberar tensões e dar voz ao que, muitas vezes, as palavras não conseguem traduzir. No caso das mulheres do projeto, a arte circense oferece algo ainda mais potente: o desafio físico de se equilibrar e suspender o próprio corpo, uma metáfora viva da superação.
Participar de atividades artísticas como essa permite que vítimas de trauma trabalhem sua autoconfiança, percepção corporal e capacidade de reconexão emocional. O palco, nesse contexto, deixa de ser apenas um espaço de espetáculo e se transforma em um ambiente terapêutico, de apoio mútuo e empoderamento.
Violência de gênero e o impacto na saúde mental
Os números revelam a urgência de se falar sobre o tema. Segundo dados recentes, mais de um terço das mulheres brasileiras afirmam ter sofrido algum tipo de violência de gênero em apenas um ano. Além das consequências físicas, os impactos emocionais são profundos e duradouros.
Muitas mulheres desenvolvem ansiedade, depressão, síndrome do pânico ou transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O isolamento social e a culpa também são sentimentos comuns, alimentados por uma cultura que ainda silencia e julga as vítimas.
Por isso, projetos como o “Alone we are petals, together we are roses” são tão importantes. Eles mostram que a cura não é um processo solitário, e que o apoio de outras pessoas, especialmente de quem compartilha experiências semelhantes, pode ser o ponto de virada na jornada de recuperação.
O poder da coletividade e do autocuidado
A arte, quando feita em grupo, carrega outro elemento essencial: o pertencimento. Em um ambiente de acolhimento, essas mulheres encontram empatia, escuta e reconhecimento. Elas aprendem que não estão sozinhas e que, assim como o nome do espetáculo sugere, cada uma é uma pétala, mas juntas formam uma rosa inteira, resistente, viva e bela.
Essa coletividade é uma das bases do autocuidado. Cuidar de si passa, também, por se permitir ser cuidada, trocar experiências e aceitar ajuda. Grupos de apoio, terapia, e práticas criativas são ferramentas complementares que fortalecem a mente e o coração.
Conclusão: saúde mental é um ato de criação
Projetos como este lembram que a saúde mental é também um processo criativo. Envolve reconstruir a própria narrativa, redesenhar limites e reaprender a viver com leveza. Assim como as artistas do circo aéreo, todos nós podemos encontrar na arte, seja ela qual for, um espaço seguro para nos reconectarmos com nossa essência.
Além disso, o projeto evidencia como a arte pode funcionar como uma ponte entre o sofrimento e a esperança. Cada ensaio, cada gesto criativo, é uma oportunidade de ressignificar o que foi vivido, reconstruir a autoestima e descobrir novos caminhos para o equilíbrio emocional. Essa jornada mostra que, com apoio, empatia e expressão, é possível transformar a dor em aprendizado e seguir adiante com mais leveza e propósito.
Afinal, cuidar da mente é um ato de coragem, e cada passo em direção à cura é um salto de fé… ou, no caso dessas mulheres, um salto entre tecidos e sonhos.
