Cada vez mais, as apostas (especialmente as apostas esportivas conhecidas como “bets”) ganham espaço na vida de muitas pessoas, seja como entretenimento, passatempo ou esperança de ganhar algo extra. Mas o que muita gente negligencia é que, quando essas apostas se tornam frequentes, compulsivas ou descontroladas, podem gerar sofrimento emocional, dívida, ansiedade, depredação das relações pessoais e até problemas graves de saúde mental.
Reconhecendo esse risco, o governo federal lançou, em setembro de 2025, um Plano de Ação para Proteção da Saúde Mental dos Apostadores. Essa política pública foi construída por meio de um Grupo de Trabalho Interministerial composto pelos ministérios da Saúde, Esporte, Fazenda, além da Secretaria de Comunicação da Presidência, coordenado pela Secretaria de Prêmios e Apostas.
A seguir, vamos conhecer em detalhe as sete principais ações previstas — e também refletir sobre por que elas são tão importantes para o bem-estar psicológico das pessoas.
As sete medidas do plano
- Autoteste de saúde padronizado
Será desenvolvido um modelo de autoteste (questionário ou instrumento semelhante) que permitirá que apostadores reflitam sobre seus hábitos de jogo, o quanto eles afetam emocionalmente sua vida e se há sinais de que o comportamento está saindo do controle. - Plataforma de autoexclusão unificada
A proposta prevê criar uma plataforma centralizada que possibilite a qualquer pessoa autoexcluir-se de todas as apostas autorizadas de uma só vez. Isso inclui bloquear acesso, impedir novos cadastros com o mesmo CPF e evitar o recebimento de publicidade de casas de aposta. É uma forma de dar poder ao indivíduo tomar uma decisão de proteção. - Capacitação de profissionais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS/SUS)
Cerca de 20 mil profissionais da RAPS receberão um curso autoinstrucional de 45 horas para saber identificar, acolher e encaminhar pessoas que apresentam problemas relacionados às apostas. Essa medida busca aumentar o suporte no sistema público de saúde, para que exista tratamento adequado para quem sofre impactos emocionais. - Diretrizes mínimas de atendimento no SUS voltadas para apostadores
Para uniformizar práticas no atendimento em saúde mental, serão estabelecidas diretrizes mínimas que orientem desde agentes de saúde até atendentes de plataformas de apostas. Isso garante que o cuidado seja mais consistente, acolhedor e baseado em evidências. - Materiais educativos para atletas sobre integridade esportiva e prevenção da manipulação de resultados
Entre as apostas esportivas, há o risco de manipulação de resultados — algo que também afeta a saúde mental de quem participa do esporte, direta ou indiretamente. Os materiais ajudarão a conscientizar atletas sobre essa integridade, os limites éticos e os impactos emocionais do envolvimento em situações duvidosas. - Campanhas de comunicação institucional sobre prevenção e redução de danos
Informação clara sobre riscos, sinais de alerta, onde buscar ajuda, o que configura aposta problemática — essas campanhas ajudam não só quem aposta, mas também familiares, amigos, comunidades, para que haja apoio mais cedo e redução de estigmas. - Comitê Permanente de Prevenção e Redução de Danos + Cuidados em Saúde Mental
O Grupo de Trabalho (GT) que elaborou esse plano será transformado em Comitê Permanente, responsável por acompanhar implementação, ajustes e continuidade das ações. Esse espaço interministerial é essencial para manter o tema em pauta, monitorar resultados e garantir que as políticas se mantenham atualizadas.
Por que essas ações são importantes para a saúde mental
- Intervenção precoce: Muitas vezes, quem aposta compulsivamente não percebe imediatamente os sinais de prejuízo emocional, culpa, ansiedade, insônia, estresse financeiro. O autoteste pode ajudar na identificação precoce.
- Empoderamento e controle: A autoexclusão dá poder para a pessoa decidir impor limites, algo que pode quebrar ciclos de perda, arrependimento, vergonha.
- Acesso ao tratamento: Sem capacitação adequada, o SUS pode não estar preparado para acolher e tratar pessoas com ludopatia ou com problemas de apostas. Essas medidas tendem a melhorar o acesso e a qualidade do cuidado.
- Consciência social e redução de estigma: Muitas vezes, quem tem sofrimento ligado a apostas se sente isolado, culpa-se ou acha que não há ajuda. Campanhas educativas ajudam a sensibilizar todos à volta o que pode abrir espaço para busca de ajuda.
- Proteção legal e regulatória: As diretrizes mínimas de atendimento, regulamentações sobre publicidade, mecanismos de controle são essenciais para evitar práticas abusivas por parte de plataformas de aposta. Isso, por si só, reduz danos.
Desafios e cuidados a acompanhar
Nenhum plano de saúde mental se concretiza apenas por anúncio. É importante observar:
- Implementação real vs. teoria: Quantos profissionais serão realmente capacitados? Quando vai estar ativa a plataforma de autoexclusão? Até que ponto as diretrizes mínimas vão ser seguidas por todos (inclusive pelos sites de apostas)?
- Financiamento e sustentabilidade: As ações exigem recursos humanos, tecnológicos e logísticos. Será necessário investimento contínuo.
- Acesso e alcance: Pessoas de regiões remotas, com menor escolaridade ou acesso limitado à internet podem ter mais dificuldade de usufruir das ferramentas de autoexclusão, autotestes ou buscar ajuda. A política precisará contemplar equidade.
- Monitoramento e avaliação: Medir resultados (quantas pessoas usaram autoexclusão, quantas buscaram ajuda, se houve queda nos casos de sofrimento psicológico ligado a apostas) será essencial para ajustar e melhorar as medidas.
Reflexões finais
A boa notícia é que o Brasil está reconhecendo formalmente que apostas problemáticas não são só questão de moral ou punição, mas sim de saúde pública. Saúde mental importam apostar pode ser um risco real, e quem vive isso precisa de acolhimento, de opções, de instrumentos para decidir.
Se você ou alguém que você conhece enfrenta desconforto emocional ou financeiro por causa de apostas, saiba que procurar ajuda não é sinal de fraqueza é um passo de coragem. Psicólogos, psiquiatras, grupos de apoio, e agora as iniciativas do SUS podem fazer diferença.
